segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

QUANDO VOCÊ RECEBE AQUELE "NÃO" DIRETO NA CARA

Seguinte: artistas criam sozinhos ou em grupo mas, pra fazer circular sua arte, precisam se aliar a outros profissionais. Simples assim.
Você fazer uma música, mesmo que domine todo o processo, desde a composição até a masterização, não o livra do momento em que terá que se entender com um artista gráfico pra fazer o encarte, a firma pra fazer as cópias do CD, o jornalista pra fazer um release do trabalho, agentes ou empresários pra ajudar na venda dos shows e por aí vai. Dei este exemplo em música porque é minha área mas todas as outras áreas - dança, plástica, teatro, etc - passam pelo mesmo processo.
Semana passada, como resposta a minha tentativa de me aliar a uma empresa para incrementar alguns aspectos de minha carreira, recebi um sonoro "não, muito obrigado".
Sim, não foi nada agradável ouvir isso, mesmo já tendo recebido inúmeros "nãos" de outros profissionais e empresas.
Desta vez foi mais difícil engolir porque eu tinha procurado essa firma justamente porque quem a indicou tinha uma história de vida parecida com a minha em alguns aspectos fundamentais: ele criava desde a adolescência mas se lançou profissionalmente somente aos 42 anos (como eu!!!). Hoje ele está tendo um tremendo sucesso em sua área.
Então, fui lá: mandei todas as informações pertinentes sobre mim e sobre minhas músicas e textos, compartilhei planos, descrevi ideias para o futuro, contei sobre o (bom) retorno que tenho tido. Dourei a pílula. Até porque essa pílula, pra mim, realmente é dourada.

"O seu projeto foi minuciosamente  analisado pela diretoria da empresa e, infelizmente, ele não está dentro do perfil musical de nossos patrocinadores. Temos uma cartela de cliente do qual conhecemos bem o perfil, e não há nenhum que se interessaria em patrocinar neste tipo de ação." Estas foram as palavras exatas usadas por eles.
Fui ver a tal cartela de clientes deles: só artistas famosos, com carreiras longas e sólidas, já estabelecidos no mercado.
Bem, este que vos fala é bem famoso lá em casa, tem uma carreira de 6 anos (6 shows) e não está estabelecido no mercado porque nem tem mercado pra música autoral.

Não, este texto não é um texto pra reclamar dessa firma.


Prefiro pensar (e te convidar pra pensar) no seguinte: você já foi alugar casa e quis uma com 2 dormitórios e se deparou com o seguinte problema: tinha um monte de casa de 1 quarto, quase nenhum de 2 ou as que tinham 2 estavam imprestáveis e depois, muitíssimo mais caras, um monte de casa com 3 ou mais dormitórios? Ou seja, tem um vazio num dos patamares que revela um pouco como o mercado ainda não se adaptou a mudança da estrutura do tamanho das famílias de classe média: hoje é pai e mãe e um filho. No máximo, 2. 

É mais ou menos isso que sinto: não tem empresas que atendam a artistas "pequenos", artistas em início de carreira, que nem sabem como se estruturar direito. Se existem essas empresas, eu não as conheço. E olha que eu procuro bastante. 
Sim, tem um monte de gente na net se oferecendo pra ajudar exatamente esse tipo de artista (em início de carreira, que não tem nenhum "quem indica" ou não tem grana pra investir em si mesmo) mas eles cobram o que poucos podem pagar.

Se uma empresa quer agenciar artistas que lhe darão muita grana porque, só pelos seus nomes consolidados já trazem multidões, é um direito dela. Boa sorte, que tenham muito sucesso.

Mas onde estão aqueles empresários que "fuçam" o mercado e sacam que aquele artista ou banda ou ator ou companhia ou seja lá o que for tem potencial, promete, vai virar, vai se tornar alguma coisa legal num futuro não muito distante?
Por favor, não pensem que me refiro (somente) a mim. Tô careca de me deparar com artistas interessantíssimos que tem que ficar correndo pra se vender porque não acham uma alma viva sequer que entenda o potencial de se crescer junto, em parceria.
Parece que o tal capitalismo tupiniquim só funciona de um patamar pra cima: quem quer vender show da Pitty? Sai quinhentos mil correndo de olho na grana que sabem que poderão vir a ganhar.
Quem quer pegar este ótimo trabalho aqui, participar do processo de divulgação, emprestar seu tempo e cabeça pra bolar eventos e lançamentos, rodar o mercado, se doar por essa ideia e.......CRESCER JUNTO, tanto em grana quanto em fama?
Onde estarão essas pessoas?


Todas as coisas contribuem para o bem daqueles que amam. Adeus.





domingo, 5 de fevereiro de 2017

MATÉRIA É MENTIRA

Eu:
"- Ih, cara, aí você tá indo longe demais. Daqui a pouco vai começar a falar em vibrações, campos mórficos, percepções sutis da existência.....A gente sabe onde isso vai dar, né?"

Ele:
"- Não, não é isso. Você é que está interpretando assim. Tô falando mais pro lado do sentir, sabe? Da percepção, da experiência real mesmo. Realíssima até."

Eu:
"- É que quando você, qualquer pessoa, começa a usar palavras que tem um sentido exato na literatura científica pra designar outras coisas.....aí a coisa vai ficando nebulosa, confusa. Olha, a gente tava indo tão bem! Você falava de arte, de sua interpretação, de como pintura e música te inspiram e daí, do nada, começa a dizer coisas do tipo "a ilusão da realidade, a imprecisão do viver que os sentidos nos oferecem, a busca pela essência (sei lá o que você quis dizer com isso....). Esse papo meio místico, meio esotérico é um porre, cara, me desculpa. Você tem que ser capaz de me transmitir o que tem vivido de uma forma mais exata, menos ambígua, entende?"

Ele, dando um gole na cerveja, olhar perdido:
"Então, não sei se isso é possível. Nem sei se é o que pretendo. Mas quando você consegue entrar, se envolver, se entregar pra coisas legais em música, quadro, peça, movimento.....Ah, sei lá, dá a impressão de que as distâncias realmente somem. Parece que a gente se condensa. Parece que por um instante que seja o significado.....significado não, sentido mesmo......o sentido último daquela coisa se entrega a você e aí a gente experimenta uma espécie de comunhão com os outros seres humanos, mediado por aquela obra. Algo que beira o espiritual. Acho que é pra isso que existem palavras como "transcendência". E então, essas coisas fazem a gente sentir que o dia a dia, a realidade nua e crua, o pé no cimento, o toque da mão, o cheiro do mundo, as cores e luz que estão na nossa cara.....dá a impressão de que tudo isso.....é só um....uma espécie......tipo......um simulacro, uma projeção.....que a verdade mesmo.....- para de fazer essa cara, você sabe em que sentido estou usando a palavra verdade - que a verdade mesmo só vai acontecer naqueles momentos em que você for um só com isso tudo, sem rupturas, sem cortes. É como se fosse uma Totalidade. E ela fosse como um pano inteiro, sem emendas, sem costuras. E ele não nos impede de ver a "realidade" porque ele é A Realidade......."

Longa pausa.

Eu:
"- Meu amigo, você voou legal agora. Legal, palavras legais, imagens legais. Inspirador. Mas, olha, sem querer turvar sua visão....não quero atrapalhar sua viagem....Mas essa tua experiência - vamos chamar de experiência - é algo muito pessoal, muito íntimo. Será que dá pra se compartilhar isso com o outro? Algo tão pessoal, tão....tão...tão....ah, sei lá. É algo seu, mesmo que um outro cara usasse exatamente as mesmas palavras pra descrever o que ele acredita ser a mesma vivência. Eu acho até que, naquilo que a arte tem a dizer sobre a vida em si, sobre a experiência humana de existir, muito do que você falou tem uma pertinência total. O problema é esse - pra mim, tá? - o problema é esse: como dividir algo tão forte e ao mesmo tempo tão íntimo? E olha que, claro, não estou falando da obra de arte em si e sim do que ela causa em alguém....."

Bebericagem. Na muvuca do bar, ele completa:
"- Ah, não sei, cara. Não sei como explicar. mas ESSA IDEIA NINGUÉM ME TIRA: MATÉRIA É MENTIRA.

Esta é a letra de uma música que vai estar no meu próximo CD (caso os detentores dos direitos autorais do Leminski autorizem, claro, visto que a frase em maiúsculo é um verso dele). Está sujeita a alterações, modificações, amplificações. Como tudo, aliás. Aliás, como este que vos escreve.

Todas as coisas contribuem para o bem daqueles que amam. Adeus.