1) Há formas de expressão musical que estão inequivocamente acabando.
2) Diferentemente de outras épocas, o fim dessas expressões não tem nada de natural. Há causas claramente discerníveis por trás desse fenômeno.
A relação que proponho entre estas 3 frases e o título deste texto é a seguinte:
Muitos amigos, musicistas ou não, adotam uma atitude elitista e preconceituosa ao taxar certos tipos de músicas de "música ruim". Usam outras palavras pra categorizar as ditas músicas "ruins": baixaria, ridícula, burra, pobre, chata, limitada, entediante, ignorante, e, quando se consideram condescendentes, usam o termo desinteressante.
Então, sou obrigado a dar uma parada técnica nos textos pra responder a esse tipo de observação. Quero com isso evitar que confundam o que eu estou tentando defender nestas postagens com algum possível posicionamento elitista de minha parte.
Fazendo jogo rápido, vamos em tópicos porque acho que pode ficar mais interessante.
- "Por que você acha que Wesley Safadão é ruim?"
- "Ah, olha a estrutura harmônica da música! Que coisa pobre!!!"
Tem música de Phillip Glass (e muitos outros compositores minimalistas além de exemplo em vários outros gêneros, estilos e compositores) que usa os mesmos poucos acordes por seções inteiras da música. Dificilmente você vai achar algum crítico musical que ousaria descrever essas músicas como pobres porque eles sabem que esse quesito - complexidade harmônica - por si só não pode ser usada como argumento pra determinar a qualidade de uma obra."
- "Por que você acha o sertanejo universitário ruim?"
- "Detesto essa indigência de pulsação, massacrando sempre a mesma batida....!"
Pobreza rítmica no sentido de células em repetição contínua? Meu amigo, você dança? Se sim, me diz como dançar uma música que muda de signo de compasso o tempo todo. E até se você der uma olhada nas batidas desse sertanejo novo, eles são variações de coisas já estabelecidas no dicionário de ritmos brasileiros, são invenções populares que estão sendo aproveitadas (apropriadas) pelas duplas modernas.
E tem mais: shows que visam pôr o povo pra bailar tem que ser assim mesmo: solta o play da banda e repete por horas ritmos, batidas, pancadas.
E tem mais: shows que visam pôr o povo pra bailar tem que ser assim mesmo: solta o play da banda e repete por horas ritmos, batidas, pancadas.
- "A alegada indigência melódica do rap te escandaliza?"
- ..............(cara de nojo)!!!
Cara, rap é uma sigla para rhythm and poetry. Ou seja, é algo que surgiu pra ser uma declamação de letra (poesia) sobre uma base rítmica qualquer. Nesse sentido, nem pode ser considerada música. Pra mim é algo até melhor em alguns aspectos. Se liga na mensagem. Entenda o que está por trás do discurso. E, claro, a relação entre a mensagem e a base sonora instrumental.
Isso sem falar na importância social do rap. No século XXII, pra nos entender melhor, historiadores irão se debruçar sobre o rap, não sobre outros estilos.
Isso sem falar na importância social do rap. No século XXII, pra nos entender melhor, historiadores irão se debruçar sobre o rap, não sobre outros estilos.
"E as letras de corno, Wton? Vai dizer que não te incomoda um estilo musical que só fala de chifronésio....."
Meu amigo, você já traduziu "Love of my life" do Queen? E o repertório romântico do rock? Do blues? Da MPB? Das óperas? De Shakespeare? Acho que se alguém se incomoda muito com alguma coisa pode estar fugindo exatamente dessa coisa. As letras românticas sempre versam sobre as mesmas coisas porque, no fundo, o sentido final desses mesmos sentimentos será dado por cada pessoa individualmente (ou pelo casal, no caso).
Se é música romântica ou é uma ode ao amor e ao seu amado ou é sobre dor de cotovelo pelo amor perdido.
Se é música romântica ou é uma ode ao amor e ao seu amado ou é sobre dor de cotovelo pelo amor perdido.
"Mas essas músicas que eu tô chamando de ruins, W, são muito parecidas entre si. Parece tudo cópia uma da outra", falou um amigo que detesta Kate Perry.
Bem, dou aula pra adolescentes e por isso tenho que ficar meio que ligado nas canções que estão acontecendo. Dessa forma, do mesmo jeito que alguém que só ouve sertanejo universitário acha que Caetano, Gil, Chico e Edu Lobo é tudo igual, tem pessoas que acham que as cantoras ouvidas pelos adolescentes também são todas iguais.
Olha, senta aqui e ouve comigo Pink, Perry, Cat Power, Ariana e Rihana, uma música de cada uma delas e depois a gente vai elencar o abismo que as separa. Mas só percebe esse abismo quem está com os olhos (ouvidos) abertos ("quem tem ouvidos para ouvir, ouça......")
Você deve estar confundindo sonoridade do pop atual, que acaba ficando realmente massificada devido ao uso das mesmas técnicas de estúdio e equipamentos, com cópia mútua de identidade sonora pelos ídolos teen.
Olha, eu poderia continuar escrevendo, vendo item por item, sobre todos os argumentos que levantam pra dizer que Beethoven é melhor que Nego do Boréu. Mas espero que tenha ficado claro que o assunto não pode ser colocado nesses termos. Música é algo que vai muito além do som. É um fenômeno humano complexo e abrangente. Para sua apreciação honesta, têm-se que levar em conta coisa tais como:
- quem está fazendo a música
- por quê ela está sendo feita dessa forma
- quem a ouve
- qual o significado que ela tem na cabeça do público a que ela se destina, etc. etc. etc.
Mas eu não poderia deixar de falar sobre um último aspecto que me atinge de forma especial, talvez por causa de minha formação cristã tradicional que tentou orientar minha visão de mundo numa direção que, hoje vejo, me era muito prejudicial.
Com vocês, o último (e tenebroso) argumento que usam pra classificar uma música de ruim:
"Que coisa horrível! Que música suja (torpe, lasciva, inadequada, explícita, sensual, apelativa etc., etc. etc.)! Música tem que ser edificante (profunda, delicada, agradável, etc. etc. etc.)!"
Sim, senhoras e senhores, estamos falando de nosso querido FUNK (carioca). Deixa eu fazer a principal pergunta, antes de qualquer outra coisa:
- Por que, cargas d´água, uma música não pode falar sobre sexo? Me dê um argumento minimamente razoável que justifique, dentro de uma sociedade democrática e plural, que músicos não possam compor e pessoas não possam cantar e dançar músicas (ou mesmo gênero musical) que falem aberta e escancaradamente sobre SEXO?
Os argumentos que ouço são inconsistentes justamente por não admitirem o que pra mim é o cerne da questão: o moralismo. Deixam no ar aquela sensação de um ambiente social sorrateira e progressivamente influenciado por um fundamentalismo cristão que, paulatinamente vem tentando pautar as discussões culturais a fim de emplacar uma forma de ver abertamente puritana, moralista, assexuada, que tem vergonha do corpo, da sensualidade, do prazer. Da vida mesmo.
O pior de tudo é que o rock, no início, também era considerado lascivo. E hoje tem roqueiro que acusa o funk da mesma coisa!
O pior de tudo são as pessoas que optam por não ouvir músicas com forte conteúdo sensual E QUEREM QUE NINGUÉM OUÇA! Ou seja: elas são o padrão pra tudo! Se ela não gosta, claro que é ruim e portanto tem que ser perseguido, proibido, execrado.
O pior de tudo é a pessoa que critica sem conhecer toda a realidade sobre a cultura funk, sobre os bailes e shows, sem conversar com quem curte, sem tentar ver o mundo por outros olhos pra talvez conseguir entender as motivações que leva milhões de brasileiros a ouvir e dançar esse estilo!
Vamos resumir o textão?
Sejamos minimamente decentes em admitir que as músicas de que gostamos são importantes pra nós porque refletem nossos valores, sonhos, aspirações, visões de mundo e ideais. Isso vale pra todas as outras pessoas, não importa o quão diferentes sejam de nós. E é isso. Ponto final, sem comparações de valor, ok?
Não se perca! Cada um dos três textos podem ser resumidos assim:
1) Há formas de expressão musical que estão inequivocamente acabando.
2) Diferentemente de outras épocas, o fim dessas expressões não tem nada de natural, Há causas claramente discerníveis por trás desse fenômeno.
3) Não existe música ruim. O que você chama de música ruim é só música que você não gosta.
Todas as coisas contribuem pra o bem daqueles que amam. Adeus.
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