Pergunte pra um músico qualquer se isto já não aconteceu com ele: um amigo, parente ou até mesmo um conhecido, vendo o tipo de música que o artista produz, chega junto, ao pé do ouvido, e dispara:
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"- Fulano de tal tá com um vídeo estourado, trocentas milhões de visualizações......". E emenda:
"- Eu sei que você ama sua música, acha que é isso que tem que fazer na vida mas.....e se você fizesse só uma, uminha só, que fosse beeeeemmmmm popular, bem povão, e a lançasse, só pra fazer dinheiro. Daí, com a grana que você ganhasse, poderia ficar fazendo o que realmente gosta pro resto da vida sem ter que se preocupar com nada!"
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Bem, antes deixa eu reconhecer que esse tipo de conselho vem de gente que realmente está preocupada com a gente, quer nos ver bem, quer que as coisas aconteçam, que a nossa carreira vá pra frente.
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Mas deixa eu explicar o que acontece.
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Os artistas não fazem o que fazem porque optaram por isso. É exatamente o contrário: um artista que siga seu sentido de vida simbólico mais profundo não conseguirá fazer algo diferente do que faz. As coisas se impõem, nos deixam sem condições de fazer algo diferente daquilo que, pra nós, faz sentido. Ou seja, quando um artista lhe responder à pergunta "porque você não faz algo mais acessível" com uma frase tipo "porque eu gosto é de fazer o que faço", entenda que na verdade ele simplesmente não vai conseguir fazer diferente. Não por motivos técnicos e sim por razões estéticas, artísticas, existenciais até.
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E olha que mesmo fazendo as coisas do jeito que acreditam ser o certo, artistas ainda olham pra suas produções e tentam, no máximo de suas possibilidades, tornar aquilo mais palatável, de entendimento mais rápido, pra que seja apreciado pelo maior número de pessoas possível.
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Mas, claro, eu não poderia ir dormir sem uma polêmica. Então, lá vai: os artistas não simplificam a linguagem de suas obras TAMBÉM porque não saberiam fazer isso. Falta-lhes perícia e profundidade técnica pra fazer algo simples.
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"- Epa, péra aí (diria você): quer dizer que quem compõe pra orquestra não conseguiria fazer alguma coisa tão simples quanto uma música cornolândia sertaneja universitária?".
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É, meu amigo, acredite: eles não saberiam fazer. Muitos artistas não vão concordar comigo porque acham que em Arte a coisa é como na matemática: se um cara domina cálculo integral necessariamente ele sabe as quatro operações básicas.
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Isso não é verdade porque a Arte é algo bem mais profundo e complicado nesse ponto. O que leva alguém a fazer uma música com letra ridiculamente simples, harmonia primária, instrumentação minúscula e ênfase num ritmo simples, mesmo que contagiante, vai muito além do que ensinam nos conservatórios e universidades.
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Pra entender arte extremamente simples você tem que recorrer à História, Geografia, Sociologia e até Psicologia.
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Pegue, por exemplo, um metaleiro progressivo, o vista com roupas de cowboy e o ponha pra cantar músicas que ele fizer seguindo as regras do estilo sertanejo num bar idem. Faça o mesmo com um músico sertanejo: ponha roupas de metal, o jogue num bar de rock, e o faça cantar as músicas dele que ele acha que tem a ver com o rock. Nos dois casos, os caras serão vaiados. Periga até apanharem.
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Há questão de 15 anos, Pablo Pezoa, batera graduado pela UNICAMP, me disse algo que nunca mais me esqueci:
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"O povo acha que fazer música brega é fácil. Vai fazer uma então pra você ver no que dá....."
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Eu tentei. Realmente não deu. E não deu porque aquilo não era eu. Nada a fazer.
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Aliás, há algo a fazer: já ouviu minhas músicas?
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Todas as coisas contribuem para o bem dos que amam. Adeus.
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