domingo, 29 de outubro de 2017

EU NÃO GOSTO DE TOCAR UM INSTRUMENTO

Ano que vem vou partir pra shows solo. Sim, com banda é sempre melhor. Mas achar um lugar que pague um cachê decente está difícil e entre pagar mal e tocar sozinho....
Lá vamos nós então montar a apresentação: escolher as músicas mesclando as do último CD com as do próximo, rearranjar algumas delas, criar em cima de algum cover, bolar as poesias, pensar na luz, trabalhar simbioticamente com o equipamento......ah, essa parte é ótima.
Mas esbarrei num detalhe: não tenho um violão de nylon com captação.
Então, peguei um Michael que comprei em 3 vezes de 50 paus de um amigo (obrigado a ele por isso!) e levei pro grande Paulinho dar uma garibada geral na peça.
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Pra começar, ele deu uma olhada no instrumento que meteu medo:
"- O que você precisa?"
"- Basicamente, afinação.....". Antes que eu terminasse a frase:
"- Olha, vai afinar no nível "tonantão", ok? (pra leigos: Tonante é um marca ruim de violão)
Depois, fomos ver as tarrachas.
"- Eu faço um catadão aí e completo pra você."
"- Mas e se eu comprasse duas peças novas?"
"- Pra esse violão? Não compensa, vai funcionar bem do jeito que eu tô te propondo."
E pra finalizar, as cordas:
"- La Bella, Paulo?"
"- Que nada, W. Põe a Giannini Classic que tá loco de bom pro nível do equipamento".
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Você deve estar pensando "mas que bomba de violão você comprou, Wton!!!" e eu vou concordar com você.
Em minha vida, tive apenas 3 violões. O primeiro, ganhei do meu pai aso 7 anos. Aprendi a tocar com ele, Giannini aço bem feito, braço fino e mais extenso que o habitual, ainda o tenho mas não o uso, vai virar relíquia.
O segundo, um Di Giorgio nylon, um violão simples, só pra aulas de instrumento complementar no conservatório (o principal era o piano, claro). Nem sei onde ele foi parar.
E o terceiro é este Michael, ruinzinho mas já gosto dele porque sim.
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Conto estas história pra ilustrar meu relacionamento com a performance instrumental. Ou melhor, minha falta de relacionamento com ela.
Já pratiquei muito, muito mesmo. Com 19 anos, passei um ano estudando píano 8 horas por dia. 
Foi o suficiente pra saber que, se eu continuasse nesse pique, poderia até vir a ser um bom instrumentistas. Mas o preço - as milhares de horas que isso iria custar - seria muito alto.
Alto de mais pra mim.
São as tais 10.000 horas de dedicação que nos fariam ser mestres em determinado assunto, já ouviu falar nisso?
10.000 horas? Em cima de um instrumento? Tô fora.
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Ou seja: eu sei o que é, já tive o vislumbre do que é dominar um instrumento. É só dar sua vida pra ele que você consegue dominá-lo.
E isso eu não faço. Não dou minha vida, minha alma, pra ninguém. Não dei nem pra jesus, vou dar pra um piano?
De qualquer forma, entendo e admiro quem faz isso. E conheço algumas pessoas que simplesmente montaram suas vidas em cima da prática instrumental e por isso hoje, aos 40, 50 anos, são extremamente virtuosos.
Inclusive, um dos melhores momentos do meu ano foi quando Janice Pezoa sondou como seriam os meus shows pelo PROAC e Rouanet (se eu conseguir o patrocínio) e disse que tocaria no projeto. Eu fiquei de boca aberta porque deve ter alguma lei que proíba a convivência num mesmo palco de tantos músicos bons como os que eu estou agregando. É como se eu fosse um leão na cova dos Daniéis.
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Mas impagável mesmo foi a cara da Janice quando ouviu de mim que eu não gosto de tocar, prefiro só cantar as canções para as interpretar de forma decente. Pra ela as palavras "eu não gosto de tocar piano" não fazem sentido algum. Isso veio de alguém que tem como continuação de seu corpo o piano e a música como sua essência vital.
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Aos meus alunos digo que sim, posso os ajudar a conhecer inúmeros acordes, montar outros com os quais eles podem se deparar por aí, posso ensinar padrões rítmicos e dedilhados, posso treiná-los em análises harmônicas e transposições, etc. etc. etc. Mas tocar bem, muito bem, um instrumento.....bem, isso é lá com gente de uma outra turma, de uma outra tribo. Acho mesmo que de uma outra essência.
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Só espero compor boas músicas, as arranjar de forma mais criativa possível e cantá-las de um jeito sincero, honesto e emocionante.
Para tocá-las, espero sempre contar com os melhores instrumentistas que eu puder pagar.

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Todas as coisas contribuem para o bem dos que amam. Adeus.

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domingo, 22 de outubro de 2017

BLADE RUNNER 2049

Eu e Vi fomos assistir o filme semana passada.
Ainda estou passado.
Principalmente com a trilha sonora. Ainda sinto os efeitos-música me chacoalhando na poltrona. Mas um excelente argumento contra quem diz não gostar de música contemporânea. E não é só o Imax, cara, é a música mesmo.
O ator principal conseguiu a proeza de interpretar uma máquina e tirar disso algo humano. Tarefa difícil. Mas ele é bom, Ryan Gosling. Mais bonito do que bom ator mas tá valendo.
Se fosse pra falar só de beleza, só escreveria sobre a tal de Ana de Armas, escandalosamente bela.
Direção de arte maravilhosa, efeitos especiais que contribuem para o desenrolar do enredo, fotografia maiúscula.
Mas a trilha sonora.....Cara, vá ver, recomendo! Mas vá ouvir a trilha. Junto com o filme, melhor. Sem ele, vai ser bom também.
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Mas daí descobri que a Vi não vira o filme de 1982, o que me deixou estupefato já que é um dos filmes mais importantes de minha vida.
Vamos lá então (re)ver o 1.o BR, Netflix da vida.
Novamente viajei, como viajo todas as vezes que vejo esse e alguns filmes especiais que me marcaram profundamente (2001, Gandhi, Betty Blue, Curtindo a vida adoidado, Paris Texas, Crimes e Pecados, Mistérios e Paixões). Eu tinha 15 anos da época, imagine só!
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Quando terminamos, perguntei pra ela o que ela achara:
"- Muito humano. Achei que teria muito mais "ficção científica"".
"- É, eu acho que é isso que faz a boa ficção científica ser boa: não são as tecnologias, as coisas, os objetos do futuro. São as pessoas, como elas são, como reagem ao novo, como interagem com a evolução das máquinas, dos processos, das técnicas. E principalmente como reagem à reação das outras pessoas a tudo isso".
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Então, diletíssimo leitor, estes parágrafos foram a introdução do que eu quero dizer hoje.
E o que eu quero dizer é isso mesmo: o que importa pra Ciência, em última análise (e é o que me apaixona) é o fator humano. Nossa essência diante de novas possibilidades e riscos que a Ciência apresenta.
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Nas últimas 3 semanas, postei um texto de conclusão de curso e, chegando à bibliografia, pensei que seria um pecado não a publicar porque ela fala de textos interessantíssimos, a meu ver.
Esses livros falam de pessoas, gente que nasceu, cresceu, amou, criou, procriou e morreu mas nos deixou coisas pra pensar.
Gente como du Chatelet, matemática francesa, mulher fantástica, mais feminista que muitas feministas, espírito independente, companheira de Voltaire e de quem comentários que evocassem a imagem de chuchu na cerca não seriam totalmente inconsequentes.
Você vai ler sobre o trabalho técnico dela apartando-o de sua vida? Impossível, são mais que complementares: são simbióticos. A evolução técnico-científica que passou pelos estudos de du Chatelet simplesmente nos falam de coisas que vão muito além: tocam no que há mais trivial para a humanidade! Conceitos como espaço, tempo, duração, força, energia e por aí vai.
Não consigo achar nada mais humano que isso (e olha que eu acho que qualquer arte ou entretenimento que rime céu com motel pode também ser necessária dentro de algum contexto específico!).
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Então, com vocês, a bibliografia comentada do trabalho que postei nas semanas passadas.



BIBLIOGRAFIA COMENTADA
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                   * Não perca tempo lendo Amit Goswani

·         *  E = mc2 – Uma biografia da equação que mudou o mundo e o que ela significa, David Bodanis, Ediouro, 2000 – Para alguém interessado em entender o significado da equação mais famosa da história da ciência, analisada detalhadamente em cada um de seus componentes, este livro é ideal. Além da contextualização histórica extremamente eficiente, há citações biográficas de cientistas e políticos contemporâneos a Einstein expostas de forma a tornar a compreensão do momento histórico mais completo e complexo. Mas um caráter peculiar desse livro é seu vigoroso (apesar de não explícito) feminismo ao revelar a participação de várias cientistas no desenvolvimento de idéias matemática, físicas e cosmológicas no decorrer da história científica ocidental moderna.

·         O ano miraculoso de Einstein – Cinco artigos que mudaram a face da física, organização e introdução de John  Stachel, Editora UFRJ, 2001 – Este livro contém, na íntegra, os cinco artigos de Einstein publicados pela revista Annalen der Physik em 1905. Há toda a matemática original dos artigos e muitas explicações técnicas sobre as correções e adendos posteriores à publicação feitos por Einstein. Note-se que, no que se refere à Teoria da Relatividade Restrita, a matemática não é das mais difíceis, sendo acessível a quem domine os cálculos do nível do Ensino Médio.

·         Física – Einstein para o Ensino Médio – Uma leitura interdisciplinar, Márcio Barreto, Papirus, 2009 – Abordagem interdisciplinar que pretende, além da visão matemática propriamente dita da Relatividade, estudar as conseqüências que a teoria causou em outras áreas do conhecimento como Artes, Filosofia e Política, principalmente no tocante à base que essa idéia lançou para o desenvolvimento da energia atômica e das bombas usadas pelos americanos no Japão.

·         O Universo elegante: Supercordas, dimensões ocultas e a busca da teoria definitiva, Brian Greene – Uma instigante descrição não apenas das idéias básicas da Relatividade e da Mecânica Quântica, desde seus primórdios, como também das modernas hipóteses que a Física e a Cosmologia desenvolveram para explicar a realidade. O relato dos primórdios da Teoria da Relatividade é particularmente fascinante, pois o autor conseguiu imprimir uma descrição apaixonada e apaixonante sobre aspectos pouco discutidos da teoria.

Wellington
RA 891202

Dezembro de 2011


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segunda-feira, 16 de outubro de 2017

KANT QUÂNTICO E KANT RELATIVO - Capítulo Final

Este texto é a 3.a e última parte de meu trabalho de conclusão de curso de Introdução A Estética, ministrada pelo grande Daniel Chinelatto. Se você quiser entender realmente como faço o cruzamento entre Arte e Ciência, acho que é um bom começo.
Ele é meio grande então o separei em capítulos. Não usei termos técnicos, a leitura está bastante amigável, é um prazer poder compartilhar com você esta minha forma de ver estas coisas.


KANT QUÂNTICO

             Segundo Kant:
“...é completamente desconhecida qual possa ser a natureza das coisas em si, independen­tes de toda receptividade da nossa sensibilidade. Não conhecemos delas senão a maneira que temos de percebê-las; maneira que nos é peculiar; mas que tão pouco deve ser necessariamente a de todo ser, ainda que seja a de todos os homens.(6)


             O conhecimento do mundo não nos é possível de forma direta - o que temos são modelos. Kant considera que um fenômeno surge quando  do encontro entre as informações que nos são passadas através dos sentidos e sua racionalização, gerando modelos pelos quais nos relacionamos com a natureza.  Estes fenômenos, portanto, são representações, e não as “coisas-em-si”, pois as “coisa-em-si” – a realidade enquanto tal – é para nós incognoscível.
              Umas das apropriações interessantes desse conceito de “modelagem fenomenológica do real” é exemplificada em uma palestra do professor Jorge A. Vieira na qual ele declara:

“... nós não conseguimos absorver, do ponto de vista cognitivo, toda a realidade. A realidade... é extremamente complexa. A Evolução nos adaptou à realidade. Essa adaptação implica em que você acaba recolhendo, mapeando da universidade aquilo que, acima de tudo, é necessário para que você sobreviva... Você não pode absorver a realidade em todos os seus detalhes. Você tem que dimensionar uma maneira de ver o mundo, uma maneira eficaz de ver o mundo. A grande verdade é que cada espécie viva fez isso de certa maneira.  Ou   seja:   todas   as   coisas   que   vivem   não   conseguem perceber a realidade de uma mesma maneira. Cada  espécie  viva  sofreu  uma  história evolutiva  e  desenvolveu  uma   interface   com   essa  realidade... Ou   seja,  dentro  dahistória de vida de cada espécie no planeta, cada uma dessas espécies vê o mundo de certa maneira, a maneira que lhe for mais conveniente para sobreviver nesse mundo. É como se cada espécie viva estivesse mergulhada dentro de uma bolha e visse o mundo segundo essa bolha. ”(7) 

(7) Palestra  com  Jorge  de  Albuquerque  Vieira  no Planetário de SP dentro do projeto DESABA, www.desabablog.org e www.desaba.org 



             Dessa forma, por caminhos de especulação filosófica, definem-se os limites humanos no tocante ao seu conhecimento do Universo. O ser pensante julga poder conhecer o mundo. Mas, em última instância, seu conhecimento sempre será parcial, incompleto, pois o próprio ato de conhecer se faz por interpretações aproximativas, inevitavelmente especulativas, municiadas por um sistema sensorial limitado e impreciso.
             Em outro trabalho seminal de Einstein, também de 1905 (8), houve o lançamento do segundo marco inicial da Mecânica Quântica (o primeiro foi a proposta de Planck, em 1900, da hipótese da quantização da radiação). A partir daí, outros físicos começaram a se aprofundar nessa proposta de Einstein (considerada pelo próprio autor como seu  artigo mais revolucionário dentre os cinco publicados em 1905) e, paralelamente às descobertas experimentais quanto à estrutura atômica, passaram a desenvolver teorias que buscavam explicar o funcionamento da matéria e da energia no nível atômico, coadunadas com essa visão quantizada, granulada, não contínua dos fenômenos físicos.
(8) “Sobre um ponto de vista heurístico a respeito da produção e transformação da luz”, revista Anais da Física, 1905.

             Dentre  as  propostas  teóricas   que   buscavam   interpretar   todas  as  possíveis conseqüências advindas da hipótese quântica, como também  dos  dados  empíricos  que surgiam dos laboratórios, a geração de físicos imediatamente posterior à de Einstein passou a perceber que, no âmbito das dimensões atômicas, os fenômenos apresentavam comportamentos extremamente diferentes daqueles que poderiam ser previstos pela física clássica newtoniana.
             Heinsenberg, em 1924, formulou seu Princípio da Incerteza, pelo qual não seria possível afirmar, num mesmo momento e com grau total de precisão, a posição e velocidades exatas de uma partícula. Uma definição exata de um desses parâmetros leva, inequívoca e matematicamente, à impossibilidade de uma leitura exata do outro. Ademais, a ação de observar determinado objeto leva, necessariamente, a uma perturbação fundamental desse mesmo objeto num nível tão íntimo e definitivo que nem somos mais autorizados a considerar que o objeto estudado é o mesmo que era antes da observação. Isso contrariava diretamente as noções estabelecidas pela ciência física do fim do século XIX pela qual, de posse de informações básicas como trajetória e forças atuantes, o calculo de posições no espaço e no tempo sempre seriam obtidos. Diante dessa nova concepção, o desenvolvimento matemático subsequente da Física mostrou que o instrumento mais adequado à descrição dos fenômenos atômicos seria probabilístico. A chance da detecção de uma pequena porção de matéria em determinada área só será possível, para a Mecânica Quântica, caso desistamos de obter outras informações sobre essa mesma matéria e passemos a falar em probabilidades.
             Nesse momento da história da Física, em que a confluência de resultados experimentais, a pesquisa matemática e as propostas teóricas abrem espaço para conclusões que falam de aspectos tão definitivos do real, surgiu o que ficou conhecida como Interpretação de Copenhagen, em alusão à cidade onde Niels Bohr e Werner Heisenberg propuseram sua visão de como se posicionar diante das novas descobertas. Sim, os estudos físicos sempre provocaram discussões filosóficas, mas, nesse momento, onde a Relatividade e a Mecânica Quântica se estabelecem,  essa relação passa a se dar em níveis muito mais profundos e até mesmo surpreendentes. 
             Dessa forma, a nova Física do século XX passou a propor um modelo onde já não há, como em Kant, uma possibilidade de acesso direto à realidade. Para o filósofo, isso se dá por causa de nossa limitação sensorial. Para a Física, não nos é possível afirmar que há uma realidade imanente que existe independente de quem a observa. Somente por meios matemáticos (mais precisamente, probabilísticos) extremamente abstratos, é que as conclusões científicas são apresentadas. Em Kant, os modelos se apresentam como resultado de interações entre os sentidos e sua racionalização. Quanticamente, a interpretação preponderante indica uma realidade que se define quando da interação observador e observado.
             Por vezes, se pode também  (como foi no caso do tópico anterior, Kant Relativo) ter a (compreensível) impressão de que essas concepções físicas estariam muito distantes de nossa realidade cotidiana. Afinal de contas, como a indefinição quanto à posição de uma partícula elementar como, por exemplo, o elétron, poderia ter alguma consequência no mundo macroscópico? Haveria conseqüências para o nosso  dia-a-dia dessas constatações físicas propostas pela Mecânica Quântica?
             Novamente notamos que, se a questão for apenas de escala e não de princípio, um novo paradigma se impõe: macroscopicamente o Universo é um; intimamente, suas características são surpreendentemente diferentes (note-se que não entramos no mérito quanto ao uso maciço da hipótese quântica como base para a construção de toda a  realidade tecnológica do mundo contemporâneo). 
               No cruzamento dessas duas concepções – a kantiana e a quântica - há a instigante noção de que a Filosofia kantiana tomava como necessária uma suposição que, tempos depois, a Física, pelo arcabouço experimental e matemático, explicitaria: a realidade não nos é passível de ser experimentada de forma direta. Até mesmo a ideia de experimentação fica prejudicada uma vez que, dependendo de como nós a montamos, os resultados poderão variar enormemente. Os resultados se apresentam como que confirmando as expectativas anteriores à realização do experimento. Reafirme-se que essa situação não deve ser entendida como erro ou imprecisão na montagem do experimento e sim como característica intrínseca de nova concepção da realidade: ela se revela por meios estatísticos e guardam relação direta com o observador. 
             Estudos sobre as influências recíprocas entre Ciência e Arte sempre considerarão a premissa de que as chamadas Exatas e os estudos do simbólico têm vias de desenvolvimento próprias. Porém, em se tomando como ponto de partida a proposta do professor João Francisco Duarte de que os momentos de criação artística e de descoberta científica partilham do mesmo tipo de “motivação” (uma vez que tanto cientistas quanto artistas partem para suas “descobertas” levados pelo mesmo deslumbramento diante do mundo, nas palavras de  Jorge Vieira) essa busca entre as relações sempre será um caminho frutífero. 
              A Física do século XXI tem proposto idéias instigantes e fascinantes – Teoria das Cordas, Múltiplos Universos, Buracos Brancos, Partículas Superluminais, dentre outras. Há todo um novo universo de possibilidades surgindo diante das quais a sensibilidade do artista será provocada, transformada, renovada.


Do físico Jean-Marc Lévy-Leblond, do excelente livro de ensaios "A velocidade da sombra: nos limites da ciência".



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terça-feira, 10 de outubro de 2017

KANT QUÂNTICO E KANT RELATIVO - Capítulo 2

Este texto é a 2.a parte de meu trabalho de conclusão de curso de Introdução A Estética, ministrada pelo grande Daniel Chinelatto. Se você quiser entender realmente como faço o cruzamento entre Arte e Ciência, acho que é um bom começo.
Ele é meio grande então o separei em capítulos. Não usei termos técnicos, a leitura está bastante amigável, é um prazer poder compartilhar com você esta minha forma de ver estas coisas.


             Com a Teoria da  Relatividade  Restrita,  de  1905,  Einstein  demonstrou  que  a natureza não é tão simples: alguns conceitos bem estabelecidos em nosso senso comum passam a apresentar alterações inesperadas sob determinadas circunstâncias.
             A incapacidade da Física Clássica em responder a diversas questões que pareciam desafiar o conhecimento natural de fins do século XIX levou Einstein (baseado em descobertas parciais de outros pensadores) a propor uma nova visão sobre os conceitos de espaço e tempo a fim de que fossem mantidos inalterados dois pressupostos (já definidos como inalteráveis por medições experimentais):

1 – o princípio da relatividade: as leis da Física são as mesmas em todos os sistemas inerciais. Não existe nenhum sistema inercial preferencial e;
2 – o princípio da constância da velocidade da luz: a velocidade da luz no vácuo tem o mesmo valor em todos os sistemas inerciais.

            Segundo essas premissas, os conceitos de simultaneidade e de extensão tridimensional de um corpo sofrem alterações significativas, desde que acelerados a velocidades próximas à da luz.                      Devido ao fato de que, em nosso dia-a-dia, os fenômenos ordinários que experimentamos ocorrerem em velocidades pequenas se comparadas à velocidade da luz (central para a teoria de Einstein), não nos é possível, apenas através de nosso senso comum, perceber essas modificações previstas pela teoria. Tomando-se essas considerações na forma como foram expostas, pode parecer que as conclusões einsteinianas careceriam totalmente de alguma importância prática e seriam de interesse apenas para físicos que trabalham diariamente com experiências onde partículas subatômicas são aceleradas a velocidades altíssimas. A necessidade da obediência as previsões da Relatividade recairiam, por exemplo, apenas no trabalho com os imensos aceleradores de partículas ou na programação dos sistemas de GPS (4).

(4) “Os satélites de navegação do Sistema de Posicionamento Global (GPS), que flutuam acima de nossas cabeças e emitem para baixo feixes de sinais de localização para carros, jatos e andarilhos, também estão se deslocando tão rapidamente que, de nossa perspectiva, o tempo a bordo deles parece ser lento. Os circuitos nos aparelhos portáteis de localização GPS que usarmos para localizar nossas posições.......são programados para corrigir isso – exatamente de acordo com as equações que Einstein desenvolveu em 1905”. E = mc2 – Uma biografia da equação que mudou o mundo e o que ela significa, David Bodanis, Ediouro, 2000, página 94.


             Porém, a mudança é mais profunda. É a relação de nossa percepção com os objetos existindo, prolongado-se no espaço e no tempo que necessariamente foi alterada. Já não nos é possível afirmar peremptoriamente que as conclusões que nossos sentidos nos transmitem são, em última análise, a verdade última do mundo, a realidade final das coisas.    
         Desde 1905 não nos é mais possível algumas certezas sobre o mundo, antes óbvias demais para sequer serem discutidas. Arte e Ciência sempre nos instigam, nos provocam, nos incentivam a pensar sobre nós mesmos, nosso mundo e suas inter-relações. Porém, qualquer juízo, qualquer fruição, quaisquer conclusões estéticas ou científicas, deverão sempre considerar essas novas concepções que alteram definições até então incontestáveis.
             Em última análise, a Relatividade prevê que cada pessoa, cada objeto, cada fenômeno possui o seu “próprio” tempo e também organiza seu “próprio” espaço. As interações cotidianas, por demais lentas diante do limite de velocidade de troca de informações no universo (a velocidade da luz), nos falseiam a visão última do real.  
             Nós, artistas, trabalhamos (também) com a materialidade dos objetos. Todos os significados   que   uma   Obra   de   Arte  pode  despertar  devem,  necessariamente, ser provocados,  instigados, iniciados  por  algo  material.  Se  nas chamadas Artes Plásticas essa ideia se explicita por si mesma, atente-se para que,  na  música,  por  exemplo, uma ideia, por si só, não representa nada até que ela “aconteça” por meio de frequências e amplitudes que, existindo no tempo, a exprimam.                                  Porém, agora criar-se-á música sobre uma noção temporal fugidia. Ela soará familiar a nós somente nas condições ideais, cotidianas. Em seu átomo de fluidez, porém, a música será outra.                     Como o fazer artístico é alterado diante dessas conclusões científicas que subvertem noções tão arraigadas e triviais? Como nossa produção se relaciona com um mundo em que entidades tão básicas à manipulação do objeto artístico (tempo, massa, espaço) não são fixados por certezas subjacentes outrora tão básicas, essenciais?
             Controvérsias apaixonadas surgiram entre os críticos a partir da primeira década do século XX quanto a real influência da Relatividade em obras de arte que também discutiam tempo, espaço, duração, extensão, dimensionalidade e simultaneidade.
             Os relógios se derretendo de Dali.
             Os múltiplos personagens (indiferentes uns aos outros) de Magritte.
        O abandono gradual da bidimensionalidade na pintura, como que reclamando o direito de habitar o espaço por inteiro, a três e até a quatro dimensões, tendendo à condição de Instalação.


Tela de René Magritte (1898-1967), Golconde, 1953. Os homens com seus chapéus parecem não perceber que estão caindo. Magritte parece ter conseguido expressar que os pontos de vista de diversos observadores se equivalem (Física para o ensino médio, pg. 53) 


"Soft Watch at the Moment of First Explosion" ~ 1954, de Salvador Dalí 

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segunda-feira, 2 de outubro de 2017

KANT QUÂNTICO E KANT RELATIVO - Capítulo 1

Este texto é meu trabalho de conclusão de curso de Introdução A Estética, ministrada pelo grande Daniel Chinelatto. Se você quiser entender realmente como faço o cruzamento entre Arte e Ciência, acho que é um bom começo.
Ele é meio grande então o separei em capítulos. Não usei termos técnicos, a leitura está bastante amigável, é um prazer poder compartilhar com você esta minha forma de ver estas coisas.

CAPÍTULO 1 - KANT RELATIVO

 “Com Copérnico, o homem deixou de estar no centro do universo. Com Darwin, o homem deixou de ser o centro do reino animal. Com Marx, o homem deixou de ser o centro da história (que, aliás, não possui um centro). Com Freud, o homem deixou de ser o centro de si mesmo” (1)

(1) Esta citação aparece no prefácio de Estruturalismo, antologia de textos teóricos. Lisboa, Portugália Ed.. p. XXXVIII. Refere-se a uma análise feita por Freud e retomada por Foucault e Althusser.

             A importância que o Homem imagina ter dentro do Universo e dentro de sua própria história é constantemente reavaliada. Há muitos outros possíveis “destronamentos” a serem considerados além dos citados à epígrafe visto que, com a ampliação do conhecimento sobre si que a Ciência e as Artes proporcionam (dentre outras ferramentas de auto-análise, tais como Literatura e Política), novos métodos, perspectivas, paradigmas, são constantemente propostos para se reinterpretar o que sempre nos pareceu definitivo.
             Note-se que, historicamente, algumas auto-avaliações da espécie humana mal disfarçavam a intenção inconsciente de nos descrever de formas grandiloqüentes, superlativas (como, por exemplo, o Homem na figura de “a jóia da criação”, segundo a concepção católica). Sim, mas o Homo Sapiens teve que se contentar em ser um dos inúmeros atores no teatro da história do planeta Terra.
             Contudo, esse movimento de constante relativização da importância da espécie humana não foi suficiente para nos fazer perceber o perigo de tomarmos algumas suposições aparentemente óbvias por leis imutáveis, bases epistemológicas por conhecimentos inalteráveis ou definições apriorísticas por leis  quase  sagradas.  Sempre colecionamos certezas julgando que as mesmas não demandariam maior atenção sobre si além do quê nosso senso comum requer.
        Mesmo na construção de sistemas de pensamento filosóficos coube aceitarmos axiomaticamente conceitos que, dentro do conhecimento usual de sua época, não pareciam necessitar de elaborações mais profundas. Paralelamente, um dos caminhos da ciência ocidental moderna, desde Bacon e Descartes, parece ser, dentre tantas outras propostas, a de se olhar para o real de uma forma cada vez mais analítica, minuciosa, pormenorizada.

         Kant, a despeito de todo seu enorme esforço em assentar seu  sistema filosófico sobre sólidas bases racionais, mesmo ele, não logrou escapar dessa “armadilha” que faz com que as conquistas intelectuais de uma geração possam (tenham que) ser reavaliadas, reinterpretadas por gerações posteriores sob a luz de novos pontos de vista, novas concepções. Nenhum demérito, obviamente, deve pairar sobre o pensador ou escola de pensamento por causa disso visto que a condição essencial da ciência é se definir como auto-corretiva no tempo, visando não a busca de uma verdade definitiva e sim de alguma verdade que faça sentido à sociedade que lhe é contemporânea.
             Kant era um homem de seu tempo (aliás, nada mais incorreto que a simplória afirmação “à frente de seu tempo”. Artistas, cientistas e personagens históricas que são por vezes erroneamente descritos dessa forma nada mais faziam que viver inteira e profundamente todas as possibilidades do “seu tempo”) no sentido de que vivenciava a concepção newtoniana, mecanicista, da natureza. Essa concepção, inicialmente direcionada para o entendimento da interação cinemática entre os objetos, se ampliou para incutir nas gerações seguintes a 1666 (ano mirabilis de Newton quando ele assentou as bases do Cálculo e criou suas quatro famosas leis) uma noção de que também a sociedade seria entendida através de princípios onde causa e efeito e intensidades a gerenciaria.                                                         
             Dessa forma, assim como Newton (2), Kant também propõe que nossas interpretações a priori da realidade ocorrem, se formam, são fenômenos que também existem nesse contexto, tendo esse mesmo espaço e tempo como elementos axiomáticos iniciais (não requerendo explicação além de seu entendimento imediato trivial) a qualquer trabalho de intelecção sensível (3).

(2) Newton parecia entender que haveria mais a se dizer sobre os conceitos de espaço e tempo do que considerá-los simplesmente como uma espécie de “pano de fundo imutável” onde o “teatro” dos fenômenos se desenrolava. Através de simples passos algébricos ele poderia ter deduzido algumas das equações da Relatividade em 1666. Porém, as conclusões a que essas equações levariam - ajuste nas outras variáveis em questão (tempo e espaço) – provavelmente pareceram inaceitáveis ou mesmo não dignos sequer de genuíno interesse científico.

(3) “Crítica da Razão Pura”, Emmanuel Kant, Tradução: J. Rodrigues de Merege, Edição Acrópolis, Versão para e-book, Fonte Digital: br.egroups.com/group/acropolis, Copyright: Domínio Público, parte primeira – da teoria elementar transcendental - Primeira Seção - Da Estética Transcendental do Espaço e Segunda Seção - Da Estética Transcendental do Tempo

             Músicos regem frequências e amplitudes no tempo. Escultores alteram, minuciosamente, a quantidade de matéria que haverá num certo espaço. Tintas aplicadas em determinadas proporções e posições podem despertar uma vasta gama de interpretações em uma fruição futura. Os experimentadores medem objetos e fenômenos que ocupam um lugar no espaço. As medidas de duração de eventos nunca desapontaram uma bem montada pesquisa laboratorial quanto à regularidade do escoamento do tempo.
             Mas a partir de 1905...

Todas as coisas contribuem para o bem dos que amam. Adeus.


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